30 de abril de 2010

Saudade de João Cunha

Nostalgia:
Uma sessão do Congresso
na ditadura

(..) O Sr. João Cunha – Não sei bem, nobre lider da Arena, onde as considerações de V. Exa. se enquadram na denúncia sobre a divisão do mundo em duas posições antagônicas.

A continuar esse argumento do anticomunismo com sustentação de todas as posturas, arbítrios e prisões, tenho a impressão de que deveremos assumir os riscos do “planeta dos macacos” do futuro, ou o risco de guerra de confrontos.

Era menino ainda – e tenho 36 anos – e já ouvia falar que os comunistas queriam tomar o poder. Depois fiquei jovem e ginasiano e me contavam que os comunistas iam tomar conta do Brasil; ingressei na Universidade, em São Paulo, me diziam que os comunistas queriam dirigir os destinos do Brasil.

Em 1964 a minha geração inteira foi perseguida, alguns morreram fazendo guerrilhas, e aceitamos o esquema legal vigente – e me diziam que os comunistas vinham por aí. Chegamos a 1968 e tivemos uma crise política, por causa dos comunistas.

Em 1970 ocorreu outra crise política, porque havia o perigo de os comunistas tomarem o poder. Anunciavam esse fato pela televisão, querendo, inclusive, confundir o meu partido com os comunistas.

Tenho a impressão de que a continuarmos assim, teremos uma vítima Herzog a cada ano ou a cada década, ou teremos de aceitar os riscos de uma guerra termonuclear para nos livrarmos dos comunistas ou sermos livrados da condição de viventes.

Esse argumento é o mesmo daqueles que não têm capacidade para responder aos apelos de justiça social do povo, porque a fábrica do comunismo está justamente nessa defensiva que se faz: a fábrica de comunistas está no mau salário pago; a fabrica de comunistas está na fome de que padecem milhões de brasileiros; a fábrica de comunistas está no privilégio que alguns possuem de ter tudo, quando milhões nada têm neste País.


Faça-se justiça social; estabeleça-se a democracia, o primado do direito; libere-se a imprensa; dêem-se condições ao homem de viver e progredir com dignidade, e o comunismo não se instalará e não terá condições de futuro.

A solércia está no próprio capitalismo agonizante e nesta divisão em que nos colocam, entre uma e outra força, diante de fatos que parecem levar-nos, de maneira irrecusável, a uma guerra termonuclear.

Eu quero a solução, não esse argumento. Quero respostas aos apelos angustiosos de justiça dos homens da minha geração; quero escolas para milhões de brasileiros; não quero o terror e o medo; quero a paz e a justiça.

Mas, desde o primeiro momento em que entrei aqui, falam-me do perigo do comunismo. Comecei a ficar com medo dos comunistas, mas quando recori à História, o que encontrei foi o truste internacional avassalando a nossa economia, corroendo nossas entranhas, frustrando-nos quanto ao futuro, desiludindo-nos em nossas esperanças (..).

Discurso do deputado João Cunha na sessão vespertina da Câmara Federal em 31/10/75, homenagendo a memória de Vladimir Herzog, assassinado pelos torturadores em S. Paulo naqueles dias.